O PL foi considerado uma medida importante para
fazer enfrentamento às mudanças climáticas
Com o Plenário 12 da Câmara dos Deputados lotado de pescadores e
pescadoras artesanais, foi realizada na tarde de terça-feira (13/08), a
Audiência Pública para debater na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários
e Tradicionais da Câmara, o PL 131/2020, que trata do reconhecimento do
Território Pesqueiro. A sessão presidida e requerida pelo deputado federal
Túlio Gadelha (REDE/PE) contou com falas de representantes do Ministério
Público, de movimentos sociais da pesca artesanal, do Ministério da Pesca e
Aquicultura (MPA), da Secretaria Geral da Presidência e de parlamentares que
falaram da importância do Projeto de Lei e apresentaram apoio à aprovação da
proposta legislativa.
“A gente achou imprescindível chamar essa Audiência Pública para
que a gente possa discutir a demarcação desses territórios. Assim como os povos
indígenas tem os seus territórios demarcados, assim como os povos quilombolas
tem seus territórios demarcados, os pescadores artesanais também precisam ter
os seus territórios demarcados para proteger essas áreas que são conservadas e
que produzem alimentos para o povo brasileiro”, defendeu o presidente da
sessão, deputado Túlio Gadelha.
O subprocurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, foi o
primeiro a falar na Audiência. Participando remotamente, o sub-procurador
defendeu que o Projeto de Lei atende ao previsto
na Constituição Federal ao assegurar às comunidades pesqueiras o exercício de
seus direitos culturais e os relativos à alimentação, trabalho, família, saúde
e subsistência, reforçando um apoio que já havia sido emitido pelo Ministério
Público Federal em nota técnica, divulgada em maio de 2020, defendendo a
importância do Projeto de Lei. “Não tem atividade humana que seja mais
ligada a transmissão do conhecimento do que a pesca. Esse PL resgata uma dívida
que o parlamento tinha com os pescadores e pescadoras artesanais”, defendeu
Luciano Maia.
A agente de pastoral do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP),
Maria José Pacheco, defendeutambém a compatibilidade da Lei do Território
Pesqueiro com os artigos 215 e 216 da Constituição brasileira. “O Brasil tem um
compromisso constitucional de preservar o Patrimônio Cultural e tem uma dívida
com as comunidades pesqueiras do Brasil. É nisso que estamos nos baseando: nos
artigos 215 e 216 da Constituição que diz que o Estado deverá garantir o pleno
exercício dos direitos culturais. E no que se diz como direitos culturais, está
a preservação dos povos indígenas, dos afrodescendentes e de suas culturas e
dos grupos participantes do processo civilizatório nacional, entre os grupos
que participaram desse processo civilizatório nacional estão os pescadores, as
pescadoras, as marisqueiras, os caiçaras, os ribeirinhos com as suas mais
variadas formas de se identificar”, defendeu.
Maria José também abordou os conhecimentos tradicionais dos
pescadores e pescadoras artesanais que a lei ajuda a preservar. “Não tem
ninguém que conhece tanto de biologia, das espécies como essas comunidades, que
apreendem, conhecem e transmitem de pai para filho e também comunitariamente,
porque muito do conhecimento acumulado dessas comunidades vem desse processo
histórico e comunitário de vivência. Tem todo um patrimônio histórico acumulado
nessas pessoas”.
O importante papel desempenhado pelos pescadores artesanais para o
equilíbrio climático também foi lembrado. “Os pescadores também têm uma
importância climática. Onde tem pescadores, o meio ambiente está preservado.
Porque essas comunidades precisam daquele ambiente para agora e para depois,
para as vidas presentes e para as futuras gerações”, explicou Maria José.
Ela acredita que a aprovação do projeto poderia ser um gesto de
compromisso do Congresso com a pauta das mudanças climáticas. “Talvez um
compromisso desse Congresso fosse aprovar esse projeto de lei como uma medida
do Brasil em se comprometer no enfrentamento às mudanças climáticas. Isso
poderia ser um grande compromisso com a questão do Plano Clima, que a gente
está em plena construção. Então seria um gesto do Congresso”, defendeu.
A pescadora e membro da coordenação do MPP, Josana Costa, falou da
importância das comunidadespesqueiras para a soberania alimentar do país e
também descreveu a relação afetiva que os pescadores e pescadoras artesanais
desenvolvem com o território. “O nosso território não são apenas os bens
materiais, mas também imateriais, aquilo que sentimos com a nossa alma, com a
nossa vida. Queremos que o projeto não fique estagnado, mas que ele evolua”.
O pescador Carlos Alberto dos Santos, representante da CONFREM (COMISSÃO NACIONAL DE FORTALECIMENTO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS
COSTEIRAS E MARINHAS) também falou da luta dos pescadores e pescadoras
artesanais para preservar o seu modo de vida, seu modo de cultura e
conhecimento. Ele que já foi presidente do Conselho de Povos e Comunidades
Tradicionais, relatou as dificuldades que as diferentes populações tradicionais
têm para defender o seu território, já que não existem dispositivos legais que
garantam isso. “É um tema trazido de maneira recorrente pelos povos e
comunidades tradicionais, principalmente aqueles que não tem nenhum marco de
garantia e proteção dos seus territórios. Nós sabemos que constitucionalmente
tem a garantia dos territórios das comunidades indígenas e quilombolas, os
demais têm que lançar mão de ferramentas outras como é o caso das Reservas Extrativistas,
para as comunidades extrativistas, que incluem outros segmentos de povos e
comunidades tradicionais. Mas outros povos e comunidades tradicionais, sequer
tem algum amparo legal para a proteção dos seus territórios”, refletiu.
Para o pescador é uma responsabilidade do Congresso nacional fazer
com que haja um processo de reparação para reconhecer essas comunidades em meio
ao processo das mudanças climáticas. “Proteger os territórios pesqueiros, não é
uma estratégia que vai somente proteger as comunidades tradicionais, mas é uma
estratégia que vai proteger a sociedade como um todo. Proteger as comunidades
tradicionais pesqueiras é também proteger o interesse público desse país”,
defendeu. “Esse projeto não é para avançar, é para reconhecer e fazer um
processo de reparação histórica diante das violações que o próprio Estado
brasileiro tem responsabilidade na maioria delas”, finalizou.
A pescadora e representante da Articulação Nacional das Pescadoras
(ANP), Mirelly Gonçalves, faloudo quanto as mulheres pescadoras estão
vulneráveis socialmente e do quanto o PL 131 pode contribuir para fazer enfrentamento
a isso. “Esse PL é de suma importância para nós pescadores e pescadoras
artesanais. Nós pescadoras artesanais somos as grandes produtoras e protetoras
do nosso território. Somos mulheres e homens das águas. A maioria de nós são mulheres
negras e mães solo, que produzem alimento seguro e também dizer que o nosso
território pesqueiro é vida. Com a invasão desses territórios, nós mulheres estamos
adoecidas, porque é o nosso corpo que está sendo adoecido e o nosso corpo é o
nosso território”, defendeu a pescadora.
Apoio do
governo federal
A Audiência Pública contou também com a participação de
representantes do governo federal. O Diretor do Departamento de Territórios
Pesqueiros e Ordenamento do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Jocemar
Tomasino, falou da avaliação positiva que o projeto recebeu no ministério. “A
nossa avaliação sobre a 131 foi totalmente positiva. Quando chegou o PL,
fizemos uma avaliação de dar todo o apoio, e diga-se de passagem, vem muitos
PLs para nós, e esse é um dos poucos que chegou com avaliação totalmente
favorável sem colocar e nem tirar ali. Ela traz um instrumento importantíssimo
e o próprio Ministro André de Paula falou que pode dizer que nós damos todo o
apoio antes, durante e depois que esse PL virar lei no nosso país”, declarou Tomasino.
“Além da questão do pertencimento, além da questão ambiental, do
ponto de vista técnico, é um exemplo do que é uma lei de iniciativa popular.
Realmente não deixa pontas soltas e de fato é amadurecida de forma suficiente
para chegar ao parlamento e ser aprovada”, defendeu o também representante do
MPA, Cristiano Quaresma.
Representante da Secretaria Geral da Presidência também concordou com a
importância que o projeto traz. “O PL é um marco de toda a cultura que envolve
os saberes ancestrais da pesca, de toda a atividade econômica que está por trás
disso, de todo o debate necessário do enfrentamento das mudanças climáticas. Um
PL que garante uma proteção do meio ambiente. Uma proteção que é feita há
muitos anos e que precisa de um reconhecimento para que essas pessoas que fazem
essa atividade tão essencial, permaneçam com segurança, em seus territórios. E
ele é um PL importante também pela conjuntura que a gente enfrenta nessa casa,
em tempos de PLs extremamente preocupantes, que criminalizam a luta por
direitos, a luta por direito à moradia e a outros direitos, a PEC de tentativa
de privatização das praias... Enfim, é um PL muito importante e é importante a
gente começar ressaltando essa importância porque é uma luta de muitos anos dos
movimentos sociais”, defendeu Izadora Gama Brito, Secretária Nacional Adjunta
de Diálogos Sociais e de Articulação de Políticas Públicas da Presidência da
República.
Após as falas da mesa, representantes de várias organizações também
falaram, reforçando a importância do Projeto de Lei. O presidente da Audiência falou em seguida, reconhecendo que o projeto tem o apoio de diferentes setores. “É unânime que esse é um
projeto bem redondo, importante e necessário, que tem o apoio do MPA, dos
movimentos sociais, dos pescadores, de especialistas, parlamentares, então acho
que essa unidade que a gente constrói a partir dessa audiência, vais nos dar
muita força para a gente avançar com esse projeto em outras comissões”,
finalizou o deputado Túlio Gadelha.
A expectativa do MPP agora é desenvolver estratégias para fazer advocacy
no Congresso e sensibilizar os parlamentares para aprovação do PL 131/2020.