Uma caminhada de mais 10 anos de mobilizações, oficinas e muita sensibilização para a coleta de assinaturas pelo Projeto de Lei 131/2020 foi compartilhada na manhã dessa terça-feira (13), no primeiro dia do “Seminário demarcação e titulação dos Territórios Pesqueiros com ênfase no PL 131”, realizado em Brasília (DF), pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP). O histórico de lutas que levaram ao surgimento do MPP, ao início da Campanha pelo Território Pesqueiro e à tramitação do Projeto de Lei foram compartilhados pelos facilitadores do encontro com os pescadores e pescadoras artesanais presentes.
A pescadora e integrante do MPP, Maria Celeste de Sousa, a agente de pastoral Ormezita Barbosa, os professores e pesquisadores Suana Medeiros da UFAL e Pedro Diamantino da UEFS foram os assessores das discussões.“Fizemos campanha em vários estados do Brasil. Fizemos oficinas
nos estados para falar da lei, levando a assessoria para falarmos da
necessidade e a importância de ter esse Projeto de Lei” compartilhou a
pescadora do Piauí, Maria Celeste de Sousa, relatando as oficinas e as coletas
de assinaturas que foram realizadas por 7 anos, em 22 estados da federação. “Esse foi um trabalho de
compromisso, de chegar junto com os pescadores. Fizemos uma caminhada bonita,
necessária e de muito risco”, relata Celeste.
A pesquisadora e professora da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL), Suana Medeiros, trouxe também uma reflexão sobre as situações que
motivaram o surgimento da Campanha, dentre eles, a concentração de terras no
Brasil e a ausência de uma legislação específica que reconheça a existência e a
legitimidade dos territórios pesqueiros, garantindo a reprodução da vida das
comunidades pesqueiras. Para se contrapor às ameaças aos territórios, a
pesquisadora aponta que foram criadas duas frentes dos movimentos da pesca:
buscar oportunidades legais através de dispositivos já existentes como Reservas
Extrativistas (RESEXs), Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), entre
outros. E a segunda frente de ação foi a construção de um projeto de lei
específico, como o PL 131/2020.
“A Resex foi um dos principais instrumentos utilizados pelas comunidades pesqueiras. Houve um movimento grande de busca dos territórios pesqueiros a partir das Resexs. Mas com o início do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), no governo Lula, há uma diminuição da criação de RESEXs. No governo Dilma, apenas 3 Resexs foram implantadas”, reflete Medeiros.
Para a pesquisadora, a Campanha dos Territórios chega com força
para preencher essa lacuna, já que o Estado brasileiro não demonstrava
interesse em reconhecer esses territórios tradicionais. “Nesse Brasil de
grandes latifúndios, a Campanha pela regularização do Território Pesqueiro
questiona diretamente a propriedade privada da natureza”, defende.
Para o pesquisador e professor da Universidade Estadual de Feira
de Santana (UEFS), Pedro Diamantino, que também colaborou no processo de
elaboração do Projeto de Lei, o PL 131/2020 traz algumas inovações importantes,
como o reconhecimento de que os territórios pesqueiros trazem também a dimensão
aquática. “O PL 131 é uma lei pequena, com 26 artigos, que está centrada na
formalização da existência de um território pesqueiro. Nela estabelecemos que
os territórios pesqueiros têm terra e água. Essa é uma contribuição dos movimentos
pesqueiros para outros movimentos tradicionais”, defende.
As inovações trazidas pela lei, inspiraram recomendações e outros projetos de lei. “O PL se
transformou numa referência inovadora, na abordagem das comunidades enquanto sujeitos coletivos de direitos. O Parlamento Latino-americano e Caribenho fez um parecer recomendando que o Projeto de Lei fosse tido como referência para a construção de legislações nos países do continente”, relata Diamantino.Ele lembra também que o projeto tem inspirado, mais recentemente,
as leis estaduais de proteção ao território pesqueiro e cita como exemplo a lei
estadual do Piauí aprovada em maio desse ano (2024). Diamantino também compara
a segurança jurídica que o PL 131/2020 pode trazer após a sua aprovação, com os
atuais dispositivos legais existentes. “Assim como quando uma comunidade
quilombola se autoidentifica, ela passa a ter o direito à terra e o Estado
passa a ter a obrigação de titular, a Lei do Território Pesqueiro também vai
tornar a titulação obrigatória, diferente do que acontece hoje com as RESEXs e
TAUS, que são atos discricionários do Estado”, explica.
Durante a tarde, os pescadores participaram na Comissão da
Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, na Câmara dos Deputados, de
uma Audiência Pública para debater o PL 131/2020. O Seminário segue até o dia
16 de agosto com a continuação das discussões sobre o PL do Território
Pesqueiro e sobre os Comitês Permanentes de Gestão da Pesca (CPG).
Histórico
Desde
2009, pescadores e pescadoras artesanais de todo o Brasil já vinham discutindo
sobre as ameaças enfrentadas pelas comunidades pesqueiras para continuarem nos
seus territórios. Em 2012, foi lançada então a Campanha Nacional pelo
Território Pesqueiro, que reuniu cerca de 2 mil pescadores e pescadoras
artesanais, de 16 estados brasileiros, em Brasília.
Durante
sete anos, o MPP fez uma campanha de arrecadação de assinaturas, que também
tentou esclarecer e sensibilizar os mais diferentes setores da sociedade sobre
a importância da criação de um dispositivo legal que reconheça e dê garantias
para a permanência dos pescadores e pescadoras artesanais nos seus territórios.
Durante
esse tempo, pescadores do MPP passaram por 22 estados da federação, fazendo
oficinas e coletando assinaturas. Foram muitos debates e muitas manifestações
de apoio. No Dia Mundial da Pesca, em 21/11/19, a proposta legislativa
elaborada pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP), com o
apoio de organizações sociais, juristas e pesquisadores, foi entregue na Câmara
dos Deputados, acompanhada de milhares de assinaturas em apoio à proposta.
No
dia 5 de fevereiro de 2020, a Comissão de Legislação Participativa (CLP) da
Câmara dos Deputados, após análise, apresentou o Projeto de Lei (PL) à casa. A
ideia agora é dar continuidade às mobilizações e incidências políticas para que
o Projeto de Lei do Território Pesqueiro seja aprovado o mais breve possível.
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