quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Audiência Pública na Câmara dos Deputados demonstra unidade de apoio de diferentes setores ao Projeto de Lei do Território Pesqueiro

 O PL  foi considerado uma medida importante para fazer enfrentamento às mudanças climáticas

Com o Plenário 12 da Câmara dos Deputados lotado de pescadores e pescadoras artesanais, foi realizada na tarde de terça-feira (13/08), a Audiência Pública para debater na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara, o PL 131/2020, que trata do reconhecimento do Território Pesqueiro. A sessão presidida e requerida pelo deputado federal Túlio Gadelha (REDE/PE) contou com falas de representantes do Ministério Público, de movimentos sociais da pesca artesanal, do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), da Secretaria Geral da Presidência e de parlamentares que falaram da importância do Projeto de Lei e apresentaram apoio à aprovação da proposta legislativa.

“A gente achou imprescindível chamar essa Audiência Pública para que a gente possa discutir a demarcação desses territórios. Assim como os povos indígenas tem os seus territórios demarcados, assim como os povos quilombolas tem seus territórios demarcados, os pescadores artesanais também precisam ter os seus territórios demarcados para proteger essas áreas que são conservadas e que produzem alimentos para o povo brasileiro”, defendeu o presidente da sessão, deputado Túlio Gadelha.

O subprocurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, foi o primeiro a falar na Audiência. Participando remotamente, o sub-procurador defendeu que o Projeto de Lei atende ao previsto na Constituição Federal ao assegurar às comunidades pesqueiras o exercício de seus direitos culturais e os relativos à alimentação, trabalho, família, saúde e subsistência, reforçando um apoio que já havia sido emitido pelo Ministério Público Federal em nota técnica, divulgada em maio de 2020, defendendo a importância do Projeto de Lei. “Não tem atividade humana que seja mais ligada a transmissão do conhecimento do que a pesca. Esse PL resgata uma dívida que o parlamento tinha com os pescadores e pescadoras artesanais”, defendeu Luciano Maia.

A agente de pastoral do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Maria José Pacheco, defendeutambém a compatibilidade da Lei do Território Pesqueiro com os artigos 215 e 216 da Constituição brasileira. “O Brasil tem um compromisso constitucional de preservar o Patrimônio Cultural e tem uma dívida com as comunidades pesqueiras do Brasil. É nisso que estamos nos baseando: nos artigos 215 e 216 da Constituição que diz que o Estado deverá garantir o pleno exercício dos direitos culturais. E no que se diz como direitos culturais, está a preservação dos povos indígenas, dos afrodescendentes e de suas culturas e dos grupos participantes do processo civilizatório nacional, entre os grupos que participaram desse processo civilizatório nacional estão os pescadores, as pescadoras, as marisqueiras, os caiçaras, os ribeirinhos com as suas mais variadas formas de se identificar”, defendeu.


Maria José também abordou os conhecimentos tradicionais dos pescadores e pescadoras artesanais que a lei ajuda a preservar. “Não tem ninguém que conhece tanto de biologia, das espécies como essas comunidades, que apreendem, conhecem e transmitem de pai para filho e também comunitariamente, porque muito do conhecimento acumulado dessas comunidades vem desse processo histórico e comunitário de vivência. Tem todo um patrimônio histórico acumulado nessas pessoas”.

O importante papel desempenhado pelos pescadores artesanais para o equilíbrio climático também foi lembrado. “Os pescadores também têm uma importância climática. Onde tem pescadores, o meio ambiente está preservado. Porque essas comunidades precisam daquele ambiente para agora e para depois, para as vidas presentes e para as futuras gerações”, explicou Maria José.

Ela acredita que a aprovação do projeto poderia ser um gesto de compromisso do Congresso com a pauta das mudanças climáticas. “Talvez um compromisso desse Congresso fosse aprovar esse projeto de lei como uma medida do Brasil em se comprometer no enfrentamento às mudanças climáticas. Isso poderia ser um grande compromisso com a questão do Plano Clima, que a gente está em plena construção. Então seria um gesto do Congresso”, defendeu.  

A pescadora e membro da coordenação do MPP, Josana Costa, falou da importância das comunidadespesqueiras para a soberania alimentar do país e também descreveu a relação afetiva que os pescadores e pescadoras artesanais desenvolvem com o território. “O nosso território não são apenas os bens materiais, mas também imateriais, aquilo que sentimos com a nossa alma, com a nossa vida. Queremos que o projeto não fique estagnado, mas que ele evolua”.

O pescador Carlos Alberto dos Santos, representante da CONFREM (COMISSÃO NACIONAL DE FORTALECIMENTO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS COSTEIRAS E MARINHAS) também falou da luta dos pescadores e pescadoras artesanais para preservar o seu modo de vida, seu modo de cultura e conhecimento. Ele que já foi presidente do Conselho de Povos e Comunidades Tradicionais, relatou as dificuldades que as diferentes populações tradicionais têm para defender o seu território, já que não existem dispositivos legais que garantam isso. “É um tema trazido de maneira recorrente pelos povos e comunidades tradicionais, principalmente aqueles que não tem nenhum marco de garantia e proteção dos seus territórios. Nós sabemos que constitucionalmente tem a garantia dos territórios das comunidades indígenas e quilombolas, os demais têm que lançar mão de ferramentas outras como é o caso das Reservas Extrativistas, para as comunidades extrativistas, que incluem outros segmentos de povos e comunidades tradicionais. Mas outros povos e comunidades tradicionais, sequer tem algum amparo legal para a proteção dos seus territórios”, refletiu.

Para o pescador é uma responsabilidade do Congresso nacional fazer com que haja um processo de reparação para reconhecer essas comunidades em meio ao processo das mudanças climáticas. “Proteger os territórios pesqueiros, não é uma estratégia que vai somente proteger as comunidades tradicionais, mas é uma estratégia que vai proteger a sociedade como um todo. Proteger as comunidades tradicionais pesqueiras é também proteger o interesse público desse país”, defendeu. “Esse projeto não é para avançar, é para reconhecer e fazer um processo de reparação histórica diante das violações que o próprio Estado brasileiro tem responsabilidade na maioria delas”, finalizou.

A pescadora e representante da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Mirelly Gonçalves, faloudo quanto as mulheres pescadoras estão vulneráveis socialmente e do quanto o PL 131 pode contribuir para fazer enfrentamento a isso. “Esse PL é de suma importância para nós pescadores e pescadoras artesanais. Nós pescadoras artesanais somos as grandes produtoras e protetoras do nosso território. Somos mulheres e homens das águas. A maioria de nós são mulheres negras e mães solo, que produzem alimento seguro e também dizer que o nosso território pesqueiro é vida. Com a invasão desses territórios, nós mulheres estamos adoecidas, porque é o nosso corpo que está sendo adoecido e o nosso corpo é o nosso território”, defendeu a pescadora.

Apoio do governo federal


A Audiência Pública contou também com a participação de representantes do governo federal. O Diretor do Departamento de Territórios Pesqueiros e Ordenamento do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Jocemar Tomasino, falou da avaliação positiva que o projeto recebeu no ministério. “A nossa avaliação sobre a 131 foi totalmente positiva. Quando chegou o PL, fizemos uma avaliação de dar todo o apoio, e diga-se de passagem, vem muitos PLs para nós, e esse é um dos poucos que chegou com avaliação totalmente favorável sem colocar e nem tirar ali. Ela traz um instrumento importantíssimo e o próprio Ministro André de Paula falou que pode dizer que nós damos todo o apoio antes, durante e depois que esse PL virar lei no nosso país”, declarou Tomasino.

“Além da questão do pertencimento, além da questão ambiental, do ponto de vista técnico, é um exemplo do que é uma lei de iniciativa popular. Realmente não deixa pontas soltas e de fato é amadurecida de forma suficiente para chegar ao parlamento e ser aprovada”, defendeu o também representante do MPA, Cristiano Quaresma.

Representante da Secretaria Geral da Presidência também concordou com a importância que o projeto traz. “O PL é um marco de toda a cultura que envolve os saberes ancestrais da pesca, de toda a atividade econômica que está por trás disso, de todo o debate necessário do enfrentamento das mudanças climáticas. Um PL que garante uma proteção do meio ambiente. Uma proteção que é feita há muitos anos e que precisa de um reconhecimento para que essas pessoas que fazem essa atividade tão essencial, permaneçam com segurança, em seus territórios. E ele é um PL importante também pela conjuntura que a gente enfrenta nessa casa, em tempos de PLs extremamente preocupantes, que criminalizam a luta por direitos, a luta por direito à moradia e a outros direitos, a PEC de tentativa de privatização das praias... Enfim, é um PL muito importante e é importante a gente começar ressaltando essa importância porque é uma luta de muitos anos dos movimentos sociais”, defendeu Izadora Gama Brito, Secretária Nacional Adjunta de Diálogos Sociais e de Articulação de Políticas Públicas da Presidência da República.

Após as falas da mesa, representantes de várias organizações também falaram, reforçando a importância do Projeto de Lei. O presidente da Audiência falou em seguida, reconhecendo que o projeto tem o apoio de diferentes setores. “É unânime que esse é um projeto bem redondo, importante e necessário, que tem o apoio do MPA, dos movimentos sociais, dos pescadores, de especialistas, parlamentares, então acho que essa unidade que a gente constrói a partir dessa audiência, vais nos dar muita força para a gente avançar com esse projeto em outras comissões”, finalizou o deputado Túlio Gadelha.

A expectativa do MPP agora é desenvolver estratégias para fazer advocacy no Congresso e sensibilizar os parlamentares para aprovação do PL 131/2020.



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