Pescadores e pescadoras artesanais cobram do governo maior representatividade nos Comitês Permanente de Gestão e retomada urgente do Grupo de Trabalho da Portaria 445/2014, atualizada pela Portaria 148/2022, para garantir a continuidade da pesca artesanal e a preservação de seus modos de vida
Durante o seminário sobre o PL 131/2020, realizado em Brasília, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP) reforçou a luta por maior representatividade e justiça social nos Comitês Permanentes de Gestão da Pesca (CPGs) e questionou os impactos negativos da Portaria 445 para a pesca artesanal. A reunião, que ocorreu na tarde desta quinta-feira, 15 de agosto, contou com a presença de Roberto Ribas Gallucci, coordenador-geral de Gestão e Ordenamento Pesqueiro do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e Jocemar Tomasino Mendonça, diretor do Departamento de Territórios Pesqueiros e Ordenamento do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA).
Pescadores e pescadoras exigem
participação real nos CPGs
A luta pela inclusão e
representatividade marcou a fala da integrante da coordenação do MPP, Josana
Pinto, que abriu a reunião com uma crítica contundente ao decreto ainda vigente
que impede a participação plena dos movimentos sociais da pesca artesanal nos
CPGs. O decreto estabelece as organizações que podem participar dos CPGs e os
critérios para participação. “Nós temos muito a contribuir, mas precisamos de
uma decisão sobre esse decreto que ainda nos barra. O governo Lula está no
poder, mas o decreto de Bolsonaro continua, excluindo nossos representantes das
discussões que impactam diretamente nossas vidas e nosso trabalho”, afirmou
Josana, destacando a urgência de retomar uma verdadeira representação e espaço
para o movimento no comitê.
Os CPGs, criados em 2009 para
democratizar a gestão pesqueira, foram praticamente desmantelados em 2019 pelo
governo Bolsonaro, privando as comunidades pesqueiras de um importante canal de
participação. Mesmo com a retomada dos comitês em 2022, os pescadores e
pescadoras denunciam que a falta de recursos e o caráter pouco transparente do
processo continuam a afastá-los das decisões.
A Luta pela Revogação do
Decreto Excludente
Norma Borges, militante do
MPP, leu em voz alta um documento destinado ao Setor de Gestão da Pesca do MPA
e do MMA, exigindo a revogação imediata do decreto que perpetua a exclusão dos
pescadores e pescadoras artesanais. “Nos causa estranheza que o atual governo
que se elegeu numa perspectiva de ampliar a participação popular mantenha um
decreto restritivo, antidemocrático de um governo autoritário e que não garante
a participação efetiva dos movimentos sociais da pesca artesanal”, diz o
ofício.
O documento destaca reivindicações como a revisão dos CPGs para que incluam, de forma efetiva, as mulheres pescadoras e a construção de um modelo de gestão que leve em consideração a realidade ecossistêmica e territorial das comunidades pesqueiras. Para os pescadores artesanais, o atual modelo de gestão que foca apenas nas espécies, em contraposição à realidade ecossistêmica, acaba privilegiando a pauta da pesca industrial que prioriza as espécies de valor comercial e não leva em consideração os impactos ambientais e a realidade das espécies dentro dos territórios e meio ambiente.
Portaria 445/2014: Uma batalha
contínua para os pescadores e pescadoras artesanais
Roberto Gallucci, do
Ministério do Meio Ambiente (MMA), reconheceu as dificuldades geradas pela
Portaria 445/2014 do MMA, e que após atualização é a Portaria 148/2022, que
lista espécies ameaçadas de extinção que não podem ser pescadas, muitas das
quais são essenciais para a pesca artesanal. “A 445 trouxe um embate grande,
pois, ao mesmo tempo em que buscava proteger espécies, afetava diretamente a
subsistência de comunidades que dependem dessas mesmas espécies”, afirmou
Gallucci.
No momento do seu lançamento, a portaria foi muito criticada por não levar em consideração as diferenças regionais, que faziam com que uma espécie estivesse ameaçada numa determinada área, mas sem perigo algum de extinção em outra região. Em alguns casos, a ausência de estudos mais recentes que confirmassem verdadeiramente a vulnerabilidade das espécies também foi motivo de crítica dos pescadores.
Outra dificuldade apontada
pelos pescadores artesanais diz respeito ao fato da lista trazer apenas os
nomes científicos e não os nomes dos pescados como conhecidos popularmente.
Todos esses equívocos fizeram com que fosse travada uma guerra judicial que fez
com que a Portaria fosse revista, além de suspensa várias vezes na Justiça. Por
envolver muitas espécies (são 475), houve muitos conflitos entre pescadores e
as decisões dos ministérios envolvidos.
Atualmente, embora existam 10
planos de recuperação que abrangem 24 espécies e permitam a continuidade da
pesca, e que em alguns casos, seja necessária uma moratória para que certas
espécies possam se recuperar, a maioria delas ainda tem a pesca permitida.
Porém, os pescadores artesanais ainda enfrentam grandes desafios, e por vezes,
suas atividades ancestrais são criminalizadas pelo entendimento dos órgãos
reguladores de cada região ao interpretarem essa portaria. Gallucci destacou
que a prioridade agora é a retomada dos fóruns de discussão com o setor
pesqueiro, que serão transformados em comitês para debater as medidas de
recuperação das espécies em conjunto com a atividade pesqueira.
Promessas e Desafios
Josemar Mendonça, do MPA,
reconheceu os problemas enfrentados pelos pescadores artesanais e
comprometeu-se a reformular os CPGs até o final do ano. “Nosso objetivo é ter
um CPG mais inclusivo em 2025, onde pescadores e pescadoras artesanais possam
participar ativamente das decisões que impactam suas vidas”, afirmou Mendonça.
Ele também garantiu que a questão das espécies ameaçadas será tratada com
prioridade, buscando formas de minimizar os impactos negativos para as
comunidades pesqueiras.
Apesar das promessas, os pescadores permanecem vigilantes. A luta continua para que o governo cumpra seus compromissos e assegure que os pescadores artesanais tenham voz nas decisões que afetam diretamente suas vidas. A reunião foi um passo importante, mas a mobilização e a resistência do MPP seguem firmes na defesa de seus direitos e de seu modo de vida, sobretudo para a aprovação do Projeto de Lei 131/2020, que protege e reconhece os territórios pesqueiros.
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