Texto por Francisco Nonato do Conselho Pastoral dos Pescadores
Durante o Grito da Pesca Artesanal, que ocorreu entre os dias 21 a 24 de novembro de 2021 em Brasília, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais-MPP e o Conselho Pastoral dos Pescadores-CPP lançaram conjuntamente o Tribunal Popular da Economia do Mar, com objetivo de organizar as comunidades tradicionais pesqueiras para debater e organizar ações de resistência frente aos impactos da Economia do Mar em territórios da pesca artesanal no Brasil.
O processo de construção do Tribunal Popular da Economia do Mar no Brasil tem como referência e inspiração, as resistências e lutas das organizações de pescadores e pescadoras artesanais dos países do Oceano Índico, envolvendo diretamente o Sri Lanka, Bangladesh, Tailândia, Indonésia e Índia, para denunciar e construir ações de resistência frente a instalação e ampliação de projetos portuários, na transformação de áreas tradicionais de pesca artesanal em Zonas Econômicas Especiais para instalar portos de contêineres, de projetos de energia térmica e de Gás Natural Liquefeito (GNL), turismo de massa, mineração em águas profundas e de parques de energia eólica e solar.
A intencionalidade política e pedagógica do Tribunal Popular da Economia do Mar é popularizar os significados do conceito de economia do mar e como essa se materializa no processo de mercantilização dos oceanos e dos territórios pesqueiros para atender a lógica do capital e dos estados que tencionam e criminalizam as comunidades, para que essas sejam deslocadas dos seus territórios tradicionalmente ocupados, para expandir e instalar grandes projetos econômicos.
O Tribunal Popular da Economia do Mar vem articulando processos formativos nas comunidades, associações, colônias, sindicatos e organizando seminários e audiências regionais para debater os significados da economia do mar e seus impactos na pesca artesanal, nos modos de vida e no clima. Esses espaços formativos possibilitam a compreensão coletiva e o entendimento das movimentações do capital na disputa pelos recursos costeiros e marinhos e os impactos negativos na atividade pesqueira e no ecossistema marinho.
As pescadoras e pescadores artesanais, agentes de pastorais do CPP, pesquisadoras/es e apoiadores/as do campo popular da pesca artesanal vem construindo leituras críticas em torno do atual modelo econômico capitalista que só tem por finalidade atender as demandas e lógica do capital em detrimento da vida e do planeta. A ofensiva do capital sobre os recursos costeiros e sua financeirização tem transformado os territórios pesqueiros e os oceanos em zonas de sacrifício para atender a demanda de acumulação capitalista, destruindo toda biodiversidade existente nesses ecossistemas.
A Audiência Regional Sul e Sudeste do Tribunal Popular da Economia do Mar, que ocorreu entre os dias 18 a 20 de agosto em Jacaraípe/ES, município de Serra no Espírito Santo, contou com a participação de 60 pescadores/as artesanais, além da presença de pesquisadores/as e agentes de pastoral do CPP, contando com a representação política dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e do Espirito Santo. Foi possível perceber como as comunidades pesqueiras olhando para a realidade mapeiam os projetos econômicos já instalados e seus impactos nos territórios ao mesmo tempo que olham com profunda preocupação para o pacote de mega projetos associados a economia do mar que devem ser instalados sem consentimento das comunidades afetadas.
Essa primeira audiência regional possibilitou ainda o encontro de pescadores/as artesanais para pensar formas de resistência frente ao avanço e ampliação de empreendimentos econômicos que estão ligados a economia do mar e como estes afetam os modos de vida, contribuem com o agravamento das mudanças climáticas e atua na perca dos territórios tradicionais. Articular o debate sobre economia do mar e seus impactos e violações de direitos na vida dos pescadores e pescadores artesanais tem sido uma agenda inegociável no sentido de fortalecer a organização de base comunitária desde os territórios e articular um amplo debate nacional para envolver toda sociedade brasileira.
As audiências regionais enquanto parte de um processo formativo, reflexivo e organizativo têm sido “Marés altas” em meio a ofensiva do capital para privatizar e mercantilizar os oceanos. Esse processo tem provocado os sujeitos históricos das águas que tem pautado os sentidos da justiça e seu caráter de classe para pensar e repensar formas de resistência e de sentido de justiça.
Frente às injustiças socioambientais que tem afetado a vida e os modos de vida dos pescadores e pescadoras artesanais, o Tribunal Popular da Economia do Mar tem ganhado seu caráter internacionalista por articular as bandeiras de lutas das comunidades pesqueiras em todo o mundo contra a privatização e mercantilização dos oceanos para atender a demandas econômicas de poucos.
As audiências regionais do Norte e do Nordeste são continuidade desse intenso processo de formação e articulação de lutas para a defesa da Casa Comum e do Bem Viver dos Povos. O Tribunal Popular da Economia do Mar entra para o histórico de luta dos movimentos populares da pesca artesanal enquanto articulador de demandas históricas em nível continental e internacional.
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