Processo de recadastramento profissional realizado pelo governo federal tem impossibilitado milhares de pescadores de serem reconhecidos como pescadores profissionais
Mais de 600 pescadores e pescadoras artesanais de 15 estados participarão em Brasília de atividades de mobilizações e incidências políticas durante a semana do Grito da Pesca Artesanal, entre os dias 21 e 25 de novembro. O evento realizado pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP) tem como tema “Em defesa da vida, dos Territórios Tradicionais Pesqueiros, da Soberania alimentar e da democracia” e ganha contornos políticos ainda mais fortes devido ao recente e excludente processo de recadastramento profissional dos pescadores, promovido pelo governo federal, que tem dificultado o acesso dos profissionais da pesca à regularização da profissão. O recadastramento será um dos temas discutidos durante a semana de atividades, que tem ainda a intenção de analisar a conjuntura dos desafios e resistências das comunidades tradicionais pesqueiras frente às violações de direitos humanos e socioambientais.
Entre as atividades programadas para semana de mobilizações estão a Marcha do Grito da Pesca Artesanal, na Esplanada dos Ministérios, que terá início às 14:30hs do dia 22 de novembro, data em que é celebrada a Revolta da Chibata, mobilização liderada por João Cândido no ano de 1910 e que inspirou o Grito da Pesca Artesanal. Já no dia 24 de novembro, às 13hs, será realizada uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de Deputados. Na Audiência os pescadores pretendem denunciar o processo excludente de recadastramento que exige recursos como o uso de celular e de acesso à internet.
“O governo impôs, sem nenhuma
conversa com os pescadores, um recadastramento totalmente excludente. Um
recadastramento que nos obriga a estar de três em três meses fazendo a prova de
vida com reconhecimento facial, como se nós fôssemos bandidos”, critica a
coordenadora do MPP e pescadora do Ceará, Martilene Rodrigues. O pescador do
Amapá e também coordenador do MPP, Florivaldo
Rocha, ainda aponta outros problemas relacionados às exigências para o
recadastramento. “Boa parte do nosso povo não sabe nem ler, não tem internet, não
tem um aparelho de celular. Então é uma dificuldade imensa que está sendo
imposta aí ao nosso povo. Alguns estados, mesmo com muita dificuldade, já fizeram
alguns (recadastramentos). Mas a maioria dos estados ainda nem começaram devido
a essas dificuldades”, denuncia.
O processo de recadastramento é
uma obrigatoriedade imposta pelo Estado para os pescadores exercerem a
profissão e a dificuldade na realização do processo é apenas a ponta do Iceberg
da relação de invisibilidade e de não reconhecimento de direitos que o Estado
brasileiro estabelece com os pescadores e pescadoras artesanais há séculos, mas
que têm se intensificado nos últimos anos e que por isso tem mobilizado as
manifestações do MPP nesse mês de novembro. “Precisamos fazer essas denúncias e
trazer para a sociedade e todo mundo que nós existimos, que nós pescamos, que a
pesca artesanal existe e que estamos sendo excluídos e exterminados pelo
governo com esses grandes projetos e com essas propostas de lei”, critica
Martilene.
Os grandes projetos são empreendimentos econômicos que ameaçam e colocam em risco a permanência dos territórios pesqueiros. Resorts, fazendas de carcinicultura, petrolíferas e mineradoras são alguns exemplos. Para assegurar o direito territorial, atualmente tramita na Câmara dos Deputados o PL 131/2020, que regulamenta os direitos territoriais dos pescadores e das comunidades pesqueiras. A transição lenta pela casa (ainda não foi apreciado por nenhuma comissão) revela a dificuldade do Estado brasileiro em reconhecer a importância das comunidades tradicionais pesqueiras e dos profissionais pescadores artesanais para a manutenção dos ambientes costeiros saudáveis e para a soberania alimentar do país.
“Uma das nossas pautas principais
aqui é a perda de território para os mega projetos. Está vindo aí a Economia Azul,
um mega projeto destrutivo para as nossas comunidades. Então nós estamos perdendo
muito”, avalia Martilene Rodrigues. O Projeto Economia Azul ao qual Martilene
se refere é um plano da Marinha do Brasil, que ambiciona avançar na exploração
econômica dos recursos marinhos da costa brasileira, o que promete uma série de
impactos ambientais. Algo que os pescadores e pescadoras artesanais já conhecem
de perto. Do rompimento das barragens de rejeitos de minérios da Vale, em
Mariana (MG), em 2015, passando por Brumadinho (MG), em 2019, e pelo
derramamento de petróleo no litoral brasileiro em 2019, os pescadores e
pescadoras artesanais são algumas das principais vítimas dos maiores crimes
ambientais que atingiram o Brasil nos últimos anos e a perda dos territórios
pesqueiros mostra-se como um fato concreto, que mobiliza a ação do MPP nos seus
10 anos de existência.
Benefícios Previdenciários
Outra preocupação dos pescadores
que motiva a mobilização é a dificuldade de acesso aos benefícios
previdenciários do INSS, como aposentadoria e seguro-defeso. “Quando a gente
fala, por exemplo, de retirada de direitos, a gente começa com aqueles
benefícios que são analisados pelo INSS, como o Seguro defeso, benefícios como
a aposentadoria, o auxílio maternidade, pensão e que são analisados com uma
demora muito grande. E muitas das vezes até negado”, explica Florivaldo Rocha.
“A gente está denunciando o
próprio INSS, que tem nos excluído. Que não tem atendido as nossas pautas como
o seguro-defeso, a aposentadoria dos pescadores e a gente não tem tido resposta
alguma”, reitera Martilene Rodrigues.
10 anos do MPP em debate
Fundado no ano de 2010, o
Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais completou uma década em 2020 e
nesse Grito da Pesca Artesanal, há a intenção de avaliar esse tempo de atuação
do movimento.
“A nossa luta não é de agora. Não
começa com o surgimento da sigla ou movimento MPP. A nossa luta é de muito
tempo. Desde o tempo da colonização que os pescadores lutam pelos seus direitos
e tem as suas perdas. Mas o balanço que eu faço é que desde o surgimento do MPP
e por causa do MPP que nós ainda estamos nos nossos territórios”, avalia a
pescadora Martilene que está no movimento desde a sua fundação.
Ela acredita que a Campanha pelo
Território Pesqueiro foi um marco importante no fortalecimento do movimento.
“Os pescadores ficaram mais empoderados a partir da Campanha. As mulheres estão
tendo mais visibilidade na pesca, porque eram invisíveis. Não vou dizer que
está 100% visível, mas a pesca das mulheres está mais visibilizada. Então temos
toda essa vitória”, comemora.
Serviço
O
quê: Grito da Pesca Artesanal
2021
Onde: Brasília
(DF)
Esplanada dos Ministérios:
Marcha do Grito da Pesca Artesanal, 22/11, às 14:30hs
Câmara dos Deputados: Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, 24/11, às 13hs
Luziânia (GO)
Mesas de debates
Quando: 21 a 25
de novembro de 2021
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