O crescente avanço da exploração econômica do litoral brasileiro na costa e nas áreas marinhas, dentro da chamada “Economia do Mar”, ameaça a permanência dos povos nos seus territórios e causa fortes impactos ambientais, que são incentivados pelo Estado brasileiro. Projetos como o “Amazônia Azul”, proposta da Marinha do Brasil que pleiteia junto à Organização das Nações Unidas (ONU) a ampliação do que é chamado de Zona Econômica Exclusiva (ZEE) em mais 2 milhões de km2, é um dos exemplos de como o Estado tem atuado para a expansão do capital nessa nova fronteira.
Para tirar esses impactos da invisibilidade, os dois dias de Audiência servirão para apresentar as violações denunciadas pelas comunidades pesqueiras, divididas em 10 eixos temáticos: Energias ‘renováveis’, Petróleo, Aquicultura, Turismo, Portos/Complexos Industriais Portuários, Agronegócio, Pesca industrial, Mineração, Hidrovia e Conservação. No banco dos réus está o Estado brasileiro, principal fomentador e incentivador da implantação dos empreendimentos.
No primeiro dia da Audiência (21) foram apresentadas peças de acusação, que foram divididas por regiões: Sul/Sudeste, Norte e Nordeste. As peças foram construídas a partir das Audiências regionais que aconteceram entre os meses de agosto e outubro desse ano, nos estados do Espírito Santo, Pará e Ceará. Na ocasião foi feito um levantamento dos projetos que impactam as comunidades pesqueiras nas regiões litorâneas de maneira direta, ou que se conectam com a costa a partir de empreendimentos multimodais. Mulheres e juventudes são alguns dos grupos mais impactados pela “Economia Azul”, nos relatórios realizados.
“Esses empreendimentos chegam nas nossas comunidades pesqueiras, causam bastante impacto e nos expulsam. Destroem o nosso meio ambiente, nossa cultura, nossos territórios e nossa tradição”, critica a Secretária do MPP, Martilene Rodrigues.
O Tribunal Popular da Economia do Mar é uma das ferramentas que têm sido utilizadas pelos pescadores e pescadoras artesanais no mundo para fazerem enfrentamento às várias violações sofridas. Tendo sido iniciado a partir de organizações de pescadores e pescadoras artesanais filiadas à WFFP (World Forum of Fisher Peoples), a primeira Audiência foi realizada em 2020, com países do Oceano Índico. Em 2021 foi dado início ao Tribunal no Brasil.
“O processo de articulação do Tribunal do Mar se deu a partir de contatos internacionais através do Fórum Mundial de Pescadores (WFFP). Lançamos o Tribunal em 2021, no Grito da Pesca Artesanal, a partir daí caímos em campo, junto com as comunidades, no corpo a corpo com os pescadores e pescadoras artesanais. Foi um processo muito árduo, mas também foi um processo de oficinas e de fortalecimento da luta do movimento. A gente sentiu a partir daí um empoderamento das comunidades para falarem o que é a Economia do Mar e os impactos que ela traz para a nossa vida. Então isso foi muito importante para termos conhecimento do que isso significa para as nossas vidas”, explica a pescadora e coordenadora do MPP, Josana Pinto.
Como funciona
Realizado no formato de um Tribunal do Júri, os casos são apresentados pelo Conselho de Acusação, formado em sua maioria por pesquisadores e colaboradores que ajudaram a montar as peças de acusação a partir das denúncias que foram apresentadas pelos pescadores. Em seguida são chamadas as testemunhas dos casos relatados: comunidades que têm sofrido com os empreendimentos violadores de direitos. Há também o Conselho de Sentença, responsável por dar o veredito final. Entre os seus integrantes estão o Procurador da República Felício Pontes e a socióloga e militante da Coalizão Negra por direitos, Vilma Reis, que preside o Conselho.
“A proposta é que a sentença possa subsidiar processos de incidência no sistema de justiça do Brasil, mas também nos sistemas de justiça internacional”, explica Ormezita Barbosa, secretária-executiva do CPP e uma das organizadoras do evento. Ela também acredita que a sentença pode auxiliar no processo de incidências políticas. “A exemplo dos tribunais que aconteceram na Ásia, queremos usar a sentença para incidência em políticas públicas. Ao final, a ideia é que a gente construa uma agenda propositiva de incidência nacional e internacional, mas também que ajude nesse tipo de proposição de políticas públicas”, defende. Barbosa diz que as sessões regionais que foram realizadas, já ajudaram algumas comunidades no enfrentamento aos empreendimentos. “É importante ressaltar o quanto que o Tribunal está sendo potente para visibilizar os conflitos e o quanto que isso tem conseguido chamar a atenção dos poderes públicos para atuarem já em defesa da comunidade”.
Sobre o Tribunal Popular da Economia Azul
O Tribunal Popular da Economia do Mar teve início, ainda na sua fase de pesquisa e preparação, no ano de 2017, com organizações de pescadores e pescadoras artesanais filiadas à WFFP (World Forum of Fisher Peoples). No ano de 2020 aconteceu a Audiência do primeiro Tribunal, que foi realizada com comunidades tradicionais pesqueiras, pesquisadores/as e diversas ONGs regionais do Oceano Índico, envolvendo cinco países: Indonésia, Tailândia, Bangladesh, Sri Lanka e Índia.
No Brasil, o pontapé inicial para o Tribunal do Mar foi dado em novembro de 2021, durante a realização do Grito da Pesca Artesanal. O começo do ano de 2022 foi de intensa preparação e discussões. A partir de agosto de 2022, começaram a acontecer as audiências regionais, 3 no total. A primeira audiência regional foi na região Sul-Sudeste, depois na região Norte e em outubro, aconteceu a última audiência na região Nordeste. Em todo o processo, mais de 200 pessoas foram envolvidas, entre pescadores, pesquisadores e ativistas.
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