Como primeira atividade do Grito
da Pesca 2019, o Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
realizou Audiência Pública na Comissão de Legislação Participativa (CLP) do
Congresso Nacional, na manhã de hoje, dia 21. O objetivo foi entregar as 200
mil assinaturas em apoio ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular, que
regulamenta os Territórios Pesqueiros no Brasil. Mais de 250 pescadores e
pescadoras artesanais de todo o país vieram até Brasília trazendo as
assinaturas, bem como uma lista de denúncias sobre as mais diferentes ameaças e
ataques aos seus territórios e sua vida.
A mesa de debates da Audiência
foi presidida pelo deputado Joseildo Ramos (PT – BA) e composta pelos parlamentares
Elder Salomão (PT ES), Edmilson Rodrigues (Psol PA) e o Senador Jaques Wagner
(PT BA), que aceitaram o debate com os pescadores e pescadoras. Como
convidados, a mesa contou com o professor da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), Cristiano Ramalho, o pescador Josemar Durães, de Minas Gerais, Dom
Leonardo Steiner, bispo auxiliar de Brasília, representando a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e a pescadora Maria Eliene Pereira do
Vale, do Ceará, representando a Articulação Nacional das Pescadoras Artesanais
(ANP).
O Grito da Pesca acontece desde 2004, sempre
no dia 21 de novembro, data em que é comemorado o Dia Mundial da Pesca
Artesanal com mobilizações e reflexões nacionais em favor dos povos das águas e
dos ecossistemas que compõe os territórios pesqueiros. A data faz referência à
Revolta da Chibata, acontecida no Rio de Janeiro, em 1910, quando marinheiros
afro-brasileiros, que originalmente eram pescadores, fizeram um motim contra as
chibatadas que recebiam dos oficiais brancos da Marinha. Hoje, passados
mais de cem anos, pescadores e pescadoras continuam sendo desrespeitados, como
contextualiza a abertura da seção: “As chibatadas, hoje, aparecem em forma de
suspensão de benefícios, de direitos trabalhistas e sociais, da negação da
identidade da pescadora e do pescador artesanal, e o ataque às demandas desses
profissionais”, exemplificadas pelos danos socioambientais do óleo nas praias
do nordeste e as queimadas da Amazônia.
Os deputados Elder Salomão e Edmilson Rodrigues, em
suas intervenções, apresentaram indignação pelo descaso e desmontes das
políticas públicas de proteção aos pescadores artesanais e comprometeram-se com
a luta e as reivindicações do movimento. Refletem sobre os crimes socioambientais
que assolam as comunidades pesqueiras e falam dos casos de Mariana, Brumadinho
e o litoral do nordeste. Salomão evidencia principalmente, os problemas de
saúde decorrentes desses crimes e diz que “são problemas extremamente sérios. A
lama tóxica deixada pela Samarco e Vale afeta diretamente os pescadores. Da
mesma forma, o óleo afetará a saúde das populações litorâneas. Por isso, o
Estado não pode ficar alheio”, disse o parlamentar reafirmando seu compromisso com
a apresentação do projeto de lei e sua aprovação.
O pescador de Minas Gerais, Josemar Durães (58),
que pesca “desde menino”. Afirmou que os crimes são consequências da falta de
políticas e pelo descaso do governo aos ambientes, seus ecossistemas e, menos
ainda, às populações que deles sobrevivem. “Esses crimes junto com a instalação
de grandes empreendimentos em nossos territórios e com os desmontes de
políticas públicas a que temos direito são a prova de que o estado brasileiro
não considera seu povo e governa apenas para alguns poucos”, disse o pescador,
explicando a diferença que existe entre os objetivos dos grandes projetos de
desenvolvimento e os valores de vida que as comunidades pesqueiras têm: “para
nós, diferente do que querem os grandes empresários, o mais importante é
simplesmente viver. Para nós, mais importante que dinheiro é a garantia de
sobrevivência e a continuidade dos modos de vida tradicionais nas nossas comunidades”.
Dom Leonardo Steiner também enaltece o compromisso
assumido pelos deputados, falando da importância que tem a regulamentação dos territórios
pesqueiros: “como Josemar disse, é uma questão de vida, um direito à existência
desses povos”, disse o bispo, parabenizando a iniciativa do MPP de coletar as
assinaturas, escrever o Projeto de Lei e trazer para os deputados. Mas, convoca
os pescadores e as pescadoras a continuarem com as ações: “essa iniciativa é fundamental para a lei que vai proteger os
territórios, mas vocês precisam continuar. Sugiro que visitem particularmente
cada um dos deputados e apresentem o projeto para eles e para as igrejas e
todas as organizações da sociedade. A união de todos é fundamental. E o mais
importante: mantenham-se unidos”, disse.
Representando as pescadoras através da Articulação
Nacional das Mulheres Pescadoras (ANP), Maria Eliene Pereira do Vale disse que
as mulheres estão mais vulneráveis aos problemas de saúde ocasionados pela
atividade da pesca e, mais ainda, com as consequências dos crimes socioambientais
que tem ocorrido nos territórios pesqueiros. Alertou para a invisibilidade que o
Estado as mantém, ao não reconhecê-las como profissionais. Lembrou o Decreto
8.425/2015 que estabeleceu novas regras para a inscrição no Registro Geral da
Atividade Pesqueira (RGP), excluindo vários pescadores artesanais que não
trabalham diretamente com a captura do pescado, inclusive as mulheres: "Nós mulheres Pescadoras não somos invisíveis como o
governo pensa. Existimos e vamos lutar por nossos direitos”, disse, afirmando
que a saúde das pescadoras deve ter política pública específica e prioritária. “Precisamos
de atenção a saúde específica e diferenciada, pois nosso trabalho é específico
e diferente de outras profissões. Também temos problemas por movimentos
repetitivos”. A pescadora continua reforçando o valor da pescadora: “Temos
orgulho de ser pescadora, pois temos os conhecimentos da natureza, dos
berçários naturais e de todo o território onde vivemos. Nós mulheres buscaremos
em todo lugar nossos direitos, pois não temos medo de ser mulher".
Finalizando
as exposições da Mesa, o professor Cristiano Ramalho, da UFPE, falou da campanha,
enaltecendo os processos construídos pelos pescadores e pescadoras artesanais
de união e de organização, durante os anos que se dedicaram à coleta de
assinaturas: “se houve ganho nesse processo foi o fortalecimento da cidadania
dos pescadores e pescadoras e sua organização”, disse, comentando a importância
do território: “é impossível separar a vida das pessoas que ali moram com os
ecossistemas e ambientes naturais, pois as formas de vida estão intrinsecamente
ligadas, em uma verdadeira simbiose de existência”, explicou o professor. Disse
que dessa conexão, esses trabalhadores fornecem produtos em qualidade e
quantidade para a população brasileira. Porém, afirma que o Estado não tem dado
o devido reconhecimento a elas: “Essa população tem ofertado muita coisa para a
população brasileira, e o Estado não as tem defendido. No entanto, o Estado têm
uma dívida histórica com essas pessoas”.
Na
sequencia, os participantes puderam se manifestar e, vários depoimentos
exaltaram a importância de uma lei que os proteja. Josana Pinto, pescadora do
Pará, relacionou a degradação ambiental com a vida dos povos das águas: “cada
árvore cortada é como se um pedaço do nosso corpo tivesse sendo cortado. Quando
rios são contaminados, como esse óleo que tá nas praias do nordeste ou os
crimes de Mariana e Brumadinho, é como nosso sangue que escapa dos nossos
corpos. Mas, vamos lutar até o fim pelas nossas vidas”. Força e resistência compartilhada
por Ormezita Barbosa, Secretária Nacional do Conselho Pastoral de Pescadores, que
diz com firmeza: "Estamos sendo trucidados por esse governo maldito que
desconsidera nossas vidas. Estamos sendo sacrificados com esse derramamento de
óleo. Precisamos ter visibilidade, pois não somos invisíveis. Existimos”.
Afirmou a secretária, pedindo verdadeiro compromisso dos parlamentares: “precisamos de duas mãos. Fizemos nossa parte formulando
o Projeto de Lei e colhendo as assinaturas. Agora, os deputados precisam viabilizar
os trâmites e a aprovação da lei”, e reafirmou: “nossa ousadia e nossa coragem
nos fortalecem e garantem que não vamos ser derrotados".
Representando
as novas gerações de pescadores e pescadoras artesanais, Edielson Barbosa dos
Santos, pescador de Maragojipe, Bahia, fala em nome da juventude pesqueira e
diz que "o golpe não foi dado à democracia com a retirada da ex-presidenta
Dilma, mas são os grandes empreendimentos que se instalam em nossos territórios
e o Estado que permite a instalação deles. Todos desconsideram nossas vidas. Mas,
resistiremos".
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