O pescador José de Souza trabalha todo dia fazendo a travessia de uma margem à outra do rio Paraopeba. Cada passagem custa R$ 1,50
dos passageiros, mas seu José recebe apenas R$ 0,50, já que o barco e o
combustível não pertencem a ele. O dinheiro minguado que tem recebido é algo
recente na vida do pescador. Ele que costumava pescar no Rio Paraopeba, tirava
uma renda mensal que variava entre R$ 1500 e R$ 3000. O rompimento da barragem
de Brumadinho, no dia 25 de janeiro desse ano, impediu a continuidade da
profissão praticada desde a infância, pelo Seu José, deixando como expectativa
apenas a promessa de receber um salário mínimo por mês, durante um ano, como
tem anunciado a mineradora Vale.
A história de Seu José não é única e segue uma tendência de
relatos muito parecidos entre todos os atingidos que foram encontrados pela
comitiva de pescadores e pescadoras artesanais do MPP (Movimento dos Pescadores
e Pescadoras artesanais),
que estão percorrendo desde terça-feira (09/04) o rio Paraopeba. O objetivo da
missão é conhecer os impactos do rompimento da barragem de Brumadinho (MG) nas
comunidades e cidades que foram atingidas pelo crime da mineradora Vale. Além
de percorrer a bacia do rio Paraopeba, os pescadores e pescadoras artesanais também
seguirão pelos municípios banhados pelo rio São Francisco, que já começa a ser
impactado pela lama de rejeitos da mineração. A missão deve ser encerrada no
dia 16 de abril e ao final será feito um relatório que deve ser divulgado até internacionalmente pelo movimento.
No dia de ontem (10/04), os participantes da missão tiveram
a oportunidade de conhecerem o impacto do rompimento da barragem de Brumadinho no
acampamento Pátria Livre, do Movimento Sem Terra, localizado no município de São
Joaquim de Bicas, em Minas Gerais. Os agricultores relatam que já começam a
sentir mudanças importantes no modo de vida deles. A água do rio que era usada como lazer pelos
agricultores e para irrigar a plantação já não pode mais ser usada. “Desde que
aconteceu o crime da Vale, as pessoas e comerciantes locais não estão mais
comprando os produtos que produzimos”, lamenta o agricultor e dirigente do acampamento,
Marcão.
O acampamento Pátria Livre existe desde 2017 e surgiu a
partir de uma mobilização nacional feita pelo MST com o lema “Corruptos,
devolvam as nossas terras!”. As terras da fazenda pertenciam ao grupo comandado
por Eike Batista e é cercada por mineradoras. A ocupação ocorrida há dois anos
afrontou a indústria da mineração na área, com aquilo que os agricultores do
movimento sabem fazer de melhor: uma produção vigorosa de alimentos orgânicos, mesmo
que em pequenos lotes. “Tinha agricultores que chegavam a ganhar até R$ 2000 por
mês só com a produção da horta”, explica Marcão.
Após o crime, além da dificuldade de venderem os alimentos,
os agricultores já começam a sentir os impactos na saúde. D. Ana Mendes produz
no seu quintal, principalmente, ervas medicinais. Ela é a referência do
acampamento quando os moradores adoecem e precisam de alguma indicação de
medicamento. Após o incidente, D. Ana criou uma pomada que tem ajudado na cura
de feridas que apareceram misteriosamente nos moradores e que eles atribuem a origem
à lama que contaminou o rio. “O pessoal diz que a pomada tem funcionado. Depois
da lama eu mesma tive uma pneumonia que nunca tive antes”, lamenta a
agricultora.
O pagamento de um salário mínimo para os
moradores que estão a até 1 km da calha do rio, durante o período de um ano é,
até o momento, a única resposta dada pela Vale.
As populações locais tem iniciado um processo de mobilização
ainda tímido. Mas novas alternativas começam a ser buscadas
pelos moradores do município para enfrentarem o luto e assim recuperar a vida e o Paraopeba.
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