Começou ontem (25/04), na cidade de Remanso (BA), e vai até o dia 29 de
abril, as oficinas do Projeto de Educação em Saúde do Trabalhador
da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em Participação na
Gestão do SUS. Fruto de uma parceria entre a Articulação Nacional das
Pescadoras (ANP), Ministério da Saúde,
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Conselho Pastoral dos
Pescadores (CPP), o evento tem o objetivo de trazer informações teóricas e
metodológicas para que as pescadoras artesanais tenham condições de agir
organizadamente para melhorar as suas condições de trabalho e dessa maneira as suas
condições de saúde e de vida.
Eliete Cunha teve dificuldade em receber benefício do INSS |
Essa
primeira oficina dá início à um total de 11, envolvendo pescadoras de 16
estados brasileiros. O projeto deve ser encerrado com um encontro nacional, em 2017.
A expectativa é que 450 pescadoras sejam beneficiadas diretamente. Como há
intenção de que cada uma dessas trabalhadoras multiplique a mensagem para mais
50 mulheres em suas comunidades, os números ao final do projeto devem ser ainda
maiores. A oficina de Remanso, que está servindo como uma experiência piloto do
projeto, está tendo a participação de 40 pescadoras de 22 municípios baianos.
O
projeto é dividido em 8 etapas, tem uma
duração de 17 meses e conta com a participação dos médicos do trabalho e
pesquisadores Paulo Pena da UFBA e Carlos Minayo da Fiocruz do Rio de Janeiro.
A pesquisadora e fisioterapeuta Thaís Dias e a psicóloga e consultora do
Ministério da Saúde, Suely Oliveira, também fazem parte da equipe de assessores
que estão ajudando na formação das pescadoras. Há ainda um grupo de 11
pesquisadoras populares, que incluem trabalhadores da pesca, inseridas no grupo
gestor do projeto. Elas são responsáveis por articular a participação das
pescadoras nos encontros, além de ajudar na sistematização e coleta inicial de
dados que ajudam a criar um perfil das comunidades pesqueiras e da rotina de
trabalho das trabalhadoras da pesca.
A oficina
traz informações sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e discute as doenças
laborais a partir do conceito ampliado de saúde, que engloba as condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, acesso/posse
de terra, acesso a serviços de saúde, entre outros. Através de um roteiro
elaborado previamente, as participantes do encontro fizeram um levantamento de
informações nas comunidades que ajudaram a traçar um perfil da rotina de
trabalho e das doenças que assolam as comunidades pesqueiras. A formação sobre
o SUS tem o objetivo de fazer com que as pescadoras possam exercer também o controle
social na área. “Queremos estar preparadas para fazer o controle social e
também ficar conscientes à respeito das notificações de doença”, explica
Elionice Sacramento, pescadora de Salinas da Margarida e membro da coordenação
nacional da ANP.
As
notificações às quais Elionice se refere, dizem respeito à outra queixa
recorrente entre as trabalhadoras da pesca: a dificuldade em ter acesso aos
benefícios previdenciários. “Há uma invisibilidade da atividade da pesca e essa
invisibilidade gera ausência de notificações sobre as doenças de trabalho
relacionadas à pesca”, analisa a pescadora.
O
relato de Elionice pode ser comprovado pela fala da pescadora Eliete Cunha. “Fui
a primeira mulher pescadora daqui de Remanso a dar entrada no
salário-maternidade, há 21 anos atrás”, conta Eliete, membro da Associação de
Pescadoras de Remanso. Na época, as funcionárias do INSS questionaram se trabalhadoras
da pesca tinham direito ao benefício. “Elas também questionaram se eu era
pescadora de verdade. Minha mãe, que estava comigo, então disse que não sabia
que pescadora tinha que andar com a rede nas costas pra ser reconhecida. Só depois
disso elas me respeitaram”, relembra.
Médico Paulo Pena aponta a invisibilidade das doenças da pesca |
Histórico
O
projeto, que formará pescadoras em todo o país, é uma conquista das trabalhadoras
da pesca, articuladas na ANP, que já há alguns anos vêm discutindo sobre as
doenças ocupacionais, que afligem a categoria. Ainda em 2003, as pescadoras da
região do Recôncavo Baiano se reuniram para discutirem a questão de gênero e se
deram conta do grande número de doenças relacionadas ao trabalho que as estavam
atingindo. A partir do relato das pescadoras, o médico do trabalho e professor
da UFBA, Paulo Pena iniciou uma pesquisa e conseguiu identificar várias doenças
relacionadas ao esforço repetitivo, surgidas a partir do trabalho da pesca.
Após
essa pesquisa, o Hospital das Clínicas da UFBA passou a disponibilizar, durante dois dias da semana, o serviço de atendimento
às mulheres pescadoras, que sofriam de doenças causadas pelo trabalho. Cerca de
1000 pescadoras foram atendidas. Essas discussões sobre a saúde das
trabalhadoras da pesca estavam acontecendo simultaneamente em outras regiões do
país. “Nós percebemos que precisávamos fazer com que a atenção à saúde das
pescadoras se tornasse uma política pública”, explica Elionice Sacramento.
Em
2011, num encontro nacional das pescadoras foi levantada novamente a questão da
dificuldade de acesso à Previdência Social. Nessa ocasião foi tirado um
planejamento para realizar encontros que discutiam a questão da saúde e da
previdência. Em 2013 foi conseguida uma aproximação com o Ministério da Saúde,
junto à Secretaria de Gestão Participativa e após a aprovação da Política
Nacional de Saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas, foi realizada
uma oficina nacional com 40 pescadoras, em Olinda (PE). O encontro incentivou a
inserção de oito pescadoras em conselhos estaduais e municipais de saúde. Com a
proposta de ampliar essa formação, surgiu o atual projeto que realizará
oficinas em todo o país.
“Esse projeto permite uma integração
extremamente importante, entre os problemas relacionados à saúde da pescadora e
do pescador, com as políticas dos povos do campo, das florestas e das águas. A
questão do território é extremamente importante. A manutenção do território
saudável permite a manutenção de um lugar de trabalho saudável”, refletiu o
médico Paulo Pena.
A questão do território garantido e saudável realmente está vinculada a ideia de saúde formulada pelas pescadoras. Muitas das pescadoras têm identidade quilombola, indígena, ribeirinha e extrativista e os seus territórios estão em conflitos com fazendeiros e grandes empresas. As pescadoras sofrem igualmente com a poluição causada pelas indústrias e pelos agrotóxicos e por isso a saúde delas é ameaçada não apenas por movimentos repetitivos, mas também pela não garantia dos territórios pesqueiros. “Por causa da globalização, por causa da destruição do nosso território, estamos morrendo”, constatou Maria da Conceição Confessor, pescadora da comunidade quilombola Engenho da Ponte, do município de Cachoeira (BA). Para a pescadora Elionice Sacramento, a definição de saúde é dita sem titubeio. “Para mim, saúde é território garantido”.
Serviço
O quê: Projeto de Educação em Saúde do
Trabalhador da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em
Participação na Gestão do SUS
Onde: Campus da UNIFAN (Faculdade
Alfredo Nasser), em Remanso (BA)
Quando: 25 a 29 de abril de 2016
A Fundacento/PE contribuiu na disseminação de informações de direitos previdenciários bem como, sobre doenças que acometem as pescadoras marisqueiras dos estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco. Foram realizados vários cursos sobre construção da cidadania do segurado especial e doenças do trabalho na pesca.
ResponderExcluir