quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Agentes dos CPP e comunidade de Canabrava são criminalizados em decisão judicial

Juiz manda instaurar inquérito contra pescador e agentes do CPP, que podem ser investigados por participarem de ocupação de terras públicas da União

Em decisão judicial emitida na segunda-feira (09/10), o Desembargador Antônio Bispo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, deu ordem para reintegração de posse para terras públicas da União, em favor do espólio do fazendeiro Breno Gonzaga, que estavam ocupadas pela comunidade pesqueira vazanteira de Canabrava. Na decisão o juiz ainda determinou instauração de inquérito contra a liderança da comunidade, Edmar Gomes da Silva e contra os agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores, Letícia Aparecida Rocha e Bruno Cardoso. 

Na decisão, o juiz justifica a abertura de inquérito como punição à “desobediência” pela retomada da ocupação do território da comunidade, localizado às margens do rio São Francisco, em terras públicas da União. O desembargador também determina que caso haja descumprimento da ordem, que o Conselho Pastoral dos Pescadores seja multado em 100 mil reais por dia. A abertura de inquérito abre espaço para que o pescador e os agentes do CPP sejam investigados, numa clara tentativa de criminalização da luta da comunidade.

A comunidade de Canabrava voltou a ocupar o território no último sábado (07/10), quase 40 dias após terem sido expulsos pela última vez, em ação de despejo realizada pela PM de Minas Gerais, no mês de agosto. As precárias condições em que se encontravam na ilha da Esperança, local onde estavam abrigados desde que foram expulsos, sem água potável, com moradias precárias e sem poderem plantar, motivaram a retomada do território. Na segunda-feira (09/10), agentes da Polícia Militar de Minas Gerais estiveram na localidade revistando todos os pescadores para averiguar uma denúncia feita pelo fazendeiro de que estavam armados. Ao constatarem que não havia armas, os policiais saíram do local emitindo opiniões em favor do latifundiário.

"É uma situação de indignação, pavor e desespero. Porque a comunidade é tradicional e está numa área que não pertence à fazenda falida do espólio de Breno Gonzaga Jr. Existem documentos em andamento na SPU para regularização, tem laudo técnico do MPF, feito por um perito, atestando a tradicionalidade da comunidade, tem vários órgãos, mobilizações e articulações que tem clareza dos direitos da comunidade tradicional, baseado em toda a legislação que diz respeito ao assunto, mas ainda assim a comunidade vem sofrendo a violência dos fazendeiros e dos jagunços, com apoio do juiz, que tem a causa do processo e com todo o apoio do aparato policial", critica a agente do Conselho Pastoral dos Pescadores de Minas Gerais, Ir. Neusa Nascimento.

Os acontecimentos desses dias são os episódios mais recentes de uma série de violências, de ações policiais e decisões judiciais arbitrárias contra a comunidade. A comunidade de Canabrava é formada por cerca de 75 famílias que habitam o território localizado em terras públicas da União, no município de Buritizeiros (MG), à beira do rio São Francisco. O conflito teve início recentemente quando uma decisão emitida pela justiça estadual, no mês de julho, dava reintegração de posse para o fazendeiro. A comunidade conseguiu uma liminar que suspendia o despejo, mas ainda assim policiais militares expulsaram os pescadores e destruíram 13 casas, no dia 18 de julho, desobedecendo assim a decisão judicial.

No dia 20 de julho, os próprios fazendeiros, herdeiros do espólio de Breno Gonzaga Junior, que reivindicam a propriedade da área, juntaram-se com fazendeiros vizinhos e com um grupo de jagunços para concluírem, ao seu modo, a ação de reintegração de posse, ainda com o mandado suspenso judicialmente. Retiraram violentamente os moradores que ali se encontravam, destruíram casas, alimentos, roças e saquearam objetos e animais de criação.

No dia 04 de agosto a comunidade voltou ao território após a visita in loco da Secretária do Patrimônio da União (SPU), confirmando que as famílias estavam em área indubitável da União, por isso não pertencente ao fazendeiro. O perito técnico do Ministério Público Federal também confirmou em relatório a tradicionalidade da comunidade. Registros mostram que eles convivem na região há cerca de um século, pelo menos.

O vencimento da liminar que suspendeu a reintegração de posse levou os pescadores a sofrerem mais um despejo, dessa vez no dia 24 de agosto. No dia seguinte, tiros foram disparados contra os moradores que se encontravam na ilha da Esperança.


“As autoridades que deveriam estar resguardando a paz, a tranquilidade, os direitos da comunidade de uma forma imparcial, estão ali acusando a comunidade de criminosa, enquanto o fazendeiro que tem jagunços, colocando inclusive armas sobre a comunidade como tem acontecido, estes estão sendo protegidos como os homens de bem, homens honestos, sendo eles os que estão roubando o que é do povo. Aquilo que a comunidade tem de único lugar para viver, criar os filhos, trabalhar e existir. É um absurdo!”, critica Ir. Neusa.

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