Juiz manda instaurar inquérito contra pescador e agentes do CPP, que
podem ser investigados por participarem de ocupação de terras públicas da União
Em decisão judicial emitida na segunda-feira (09/10), o Desembargador
Antônio Bispo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, deu ordem para reintegração de posse
para terras públicas da União, em favor do espólio do fazendeiro Breno Gonzaga, que estavam ocupadas pela comunidade pesqueira vazanteira de
Canabrava. Na decisão o juiz ainda determinou instauração de inquérito contra a liderança da comunidade, Edmar Gomes da Silva e
contra os agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores, Letícia Aparecida Rocha
e Bruno Cardoso.
Na decisão, o juiz justifica a abertura de inquérito como
punição à “desobediência” pela retomada da ocupação do território da
comunidade, localizado às margens do rio São Francisco, em terras públicas da
União. O desembargador também determina que caso haja descumprimento
da ordem, que o Conselho Pastoral dos Pescadores seja multado em 100 mil reais
por dia. A abertura de inquérito abre espaço para que o pescador e os agentes
do CPP sejam investigados, numa clara tentativa de criminalização da luta da comunidade.
A comunidade de Canabrava voltou a ocupar o território no último sábado
(07/10), quase 40 dias após terem sido expulsos pela última vez, em ação de
despejo realizada pela PM de Minas Gerais, no mês de agosto. As precárias
condições em que se encontravam na ilha da Esperança, local onde estavam abrigados
desde que foram expulsos, sem água potável, com moradias precárias e sem
poderem plantar, motivaram a retomada do território. Na segunda-feira (09/10),
agentes da Polícia Militar de Minas Gerais estiveram na localidade revistando
todos os pescadores para averiguar uma denúncia feita pelo fazendeiro de que
estavam armados. Ao constatarem que não havia armas, os policiais saíram do
local emitindo opiniões em favor do latifundiário.
"É uma situação de indignação, pavor e desespero. Porque a
comunidade é tradicional e está numa área que não pertence à fazenda falida do
espólio de Breno Gonzaga Jr. Existem documentos em andamento na SPU para
regularização, tem laudo técnico do MPF, feito por um perito, atestando a
tradicionalidade da comunidade, tem vários órgãos, mobilizações e articulações
que tem clareza dos direitos da comunidade tradicional, baseado em toda a
legislação que diz respeito ao assunto, mas ainda assim a comunidade vem
sofrendo a violência dos fazendeiros e dos jagunços, com apoio do juiz, que tem
a causa do processo e com todo o apoio do aparato policial", critica a
agente do Conselho Pastoral dos Pescadores de Minas Gerais, Ir. Neusa
Nascimento.
Os acontecimentos desses dias são os episódios mais recentes de uma
série de violências, de ações policiais e decisões judiciais arbitrárias contra
a comunidade. A comunidade de Canabrava é formada por cerca de 75 famílias que
habitam o território localizado em terras públicas da União, no município de
Buritizeiros (MG), à beira do rio São Francisco. O conflito teve início
recentemente quando uma decisão emitida pela justiça estadual, no mês de julho,
dava reintegração de posse para o fazendeiro. A comunidade conseguiu uma
liminar que suspendia o despejo, mas ainda assim policiais militares expulsaram
os pescadores e destruíram 13 casas, no dia 18 de julho, desobedecendo assim a
decisão judicial.
No dia 20 de julho, os próprios fazendeiros, herdeiros do espólio de
Breno Gonzaga Junior, que reivindicam a propriedade da área, juntaram-se com
fazendeiros vizinhos e com um grupo de jagunços para concluírem, ao seu modo, a
ação de reintegração de posse, ainda com o mandado suspenso judicialmente.
Retiraram violentamente os moradores que ali se encontravam, destruíram casas,
alimentos, roças e saquearam objetos e animais de criação.
No dia 04 de agosto a comunidade voltou ao território após a visita in
loco da Secretária do Patrimônio da União (SPU), confirmando que as
famílias estavam em área indubitável da União, por isso não pertencente ao
fazendeiro. O perito técnico do Ministério Público Federal também confirmou em
relatório a tradicionalidade da comunidade. Registros mostram que eles convivem
na região há cerca de um século, pelo menos.
O vencimento da liminar que suspendeu a reintegração de posse levou os
pescadores a sofrerem mais um despejo, dessa vez no dia 24 de agosto. No dia
seguinte, tiros foram disparados contra os moradores que se encontravam na ilha
da Esperança.
“As autoridades que deveriam estar resguardando a paz, a tranquilidade,
os direitos da comunidade de uma forma imparcial, estão ali acusando a
comunidade de criminosa, enquanto o fazendeiro que tem jagunços, colocando
inclusive armas sobre a comunidade como tem acontecido, estes estão sendo
protegidos como os homens de bem, homens honestos, sendo eles os que estão
roubando o que é do povo. Aquilo que a comunidade tem de único lugar para
viver, criar os filhos, trabalhar e existir. É um absurdo!”, critica Ir. Neusa.
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