Por assessoria de comunicação do CPP Nacional
Na semana que antecede o Dia do Pescador e da Pescadora Artesanal, 29 de junho, trouxemos uma entrevista especial com o pescador do município de Serra, no estado do Espírito Santo, Manoel Bueno dos Santos, conhecido como Nego da Pesca. A beleza de ser pescador é retratada por Nego assim como as diversas ameaças pelas quais as comunidades pesqueiras de todo Brasil estão passando. O pescador ainda reafirma a importância da Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, e lembra que essa é uma importante ferramenta para a preservação do modo de vida desses grupos tão importantes para a sociedade. Confira a entrevista.
Ascom: Quando você começou a pescar? Imagina-se fazendo outra atividade que não essa?
Nego da Pesca: Comecei a pescar em 1984, com companheiros da pesca, em Jacaraipe, no município de Serra-ES. Não me vejo longe da pesca, não me vejo em outra atividade.
Ascom: Durante o trabalho com a pesca, o que mais lhe encanta e proporciona prazer?
Nego da Pesca: Bem, sempre fiz a pesca em mar aberto, com meus companheiros. E o que mais me encanta nisso é a união dos pescadores. Quando vamos pescar, vão cinco pescadores em uma embarcação com espaço de 20m², durante quinze a vinte dias, e depois de todo esse tempo chegamos em terra alegres e satisfeitos, felizes mesmo. Às vezes nós vemos as pessoas vivendo com todo conforto, mas insatisfeitas, nós não, nossa união nos da motivação e alegria para pescar. E essa alegria vem justamente da solidariedade dos companheiros, além de ter a certeza de trazer uma alimentação saudável para mesa dos brasileiros.
Ascom: O que você costuma pescar?
Nego da Pesca: Dourado, Cação, Badejo, Cioba, Papa-terra, Garoupa, Baiacu, Dentão, Peroa, entre outras.
Ascom: Quando consumimos o pescado vindo da pesca artesanal dizemos que esse é de qualidade. A que você atribui isso?
Nego da Pesca: Primeiro a Deus, por nos proporcionar esse meio ambiente com a diversidade de espécies de peixe que é a alimentação mais saudável, e aos heroicos pescadores que enfrentam o mar revolto, temporais e muita das vezes a solidão no mar, para trazer esse excelente alimento. E também porque não desrespeitamos o meio ambiente, o alimento é tirado sem prejudicar onde vivemos.
Ascom: Qual a quantidade de pescado que a pesca artesanal fornece ao mercado brasileiro?
Nego da Pesca: 70% do peixe capturado no Brasil vêm da pesca Artesanal, segundo as pesquisas realizadas.
Ascom: Quais dificuldades você enfrenta hoje para pescar?
Nego da Pesca: A falta de políticas públicas para o desenvolvimento e preservação da pesca artesanal; perda de espaço para empresas petrolíferas, portos, estaleiros, gasodutos, minerodutos, pesquisas sísmicas, termoelétricas, poluição e as unidades de conservação. Ou seja, violação do território pesqueiro, as ameaças ao nosso território pesqueiro são nossas dificuldades.
Ascom: Você faz parte do Movimento de Pescadores e Pescadoras. Como é a ação do movimento frente a essas ameaças?
Nego da Pesca: A ação do movimento significa mobilizar e conscientizar o maior número de pessoas, não só da pesca, mas de toda a sociedade, para defender a garantia do território pesqueiro. Através de encontros estaduais, regionais e nacionais, tiramos as ações para nos organizarmos nas bases e atuarmos junto ao Poder Público, Ministério da Pesca, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Superintendência de Patrimônio da União, Ministério da Previdência Social, Secretaria da Presidência da República de Direitos Humanos, e a Sociedade Civil Organizada.
Ascom: Em relação ao Ministério específico para a pesca, como você se sente em relação a ele?
Nego da Pesca: Apesar de ter sido uma reivindicação dos pescadores artesanais, o Ministério da Pesca infelizmente não vem nos representado como deveria. Ele faz muitas ações que não nos considera.
Ascom: Percebemos essa ação do Estado brasileiro com diversos povos tradicionais, são políticas para invisibilizar essas populações. Quilombolas, povos indígenas, vazanteiros, pescadores e toda a diversidade de povos que existem no país são negados. Como o MPP está articulado com esses grupos?
Nego da Pesca: Através de encontros para debater e expor as dificuldades de cada grupo, O MPP vem se articulando junto com as populações tradicionais. Nesses encontros, vemos como agir de forma conjunta para fortalecer as ações junto ao poder público. Pensamos em estratégias de resistência conjunta.
Ascom: Há um desrespeito por parte das grandes corporações e do Estado, especialmente da bancada ruralista, em relação à constituição brasileira. Como isso atinge as comunidades pesqueiras?
Nego da Pesca: Impedindo o nosso acesso aos rios e lagoas, privatizam esses espaços, e reduzindo a área que temos para pescar, o que diminui o número de pescado, e enfraquece a sustentabilidade do setor pesqueiro. Isso significa uma ameaça ao nosso modo de vida, logo as comunidades tradicionais que tanto contribuem para a sociedade.
Ascom: O território é a casa do pescador, o que ele significa para você?
Nego da Pesca: Sustentabilidade, condições de dignidade para família e a garantia da preservação da cultura do pescador.
Ascom: Qual a importância de se garantir o território da pesca artesanal?
Nego da Pesca: A certeza que iremos continuar trabalhando, e que serão respeitados os nossos direitos e o cumprindo com nossos deveres.
Ascom: Estamos acompanhando as atividades da Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. Por que essa estratégia é tão importante para a causa de pescadores e pescadoras artesanais?
Nego da Pesca: Essa estratégia é de extrema importância, pois ela propõe um projeto de lei de iniciativa popular que envolve toda a sociedade. Esse projeto busca que o Estado brasileiro reconheça oficialmente o distrito das comunidades tradicionais pesqueiras e dê as condições necessárias para que as comunidades continuem existindo de acordo com seus modos de ser, criar e fazer.
Ascom: Próximo domingo, 29, comemora-se o Dia do Pescador e da Pescadora Artesanal, pois é dia de São Pedro, padroeiro das comunidades pesqueiras do Brasil. Como sua comunidade passa esse momento?
Nego da Pesca: Temos atividades culturais, como o Congo que acontece todo dia 29 de junho. Nesse mesmo dia, temos a puxada do barco, da praia ate a Igreja da comunidade, nela fincamos o Mastro em homenagem a São Pedro.
Ascom: Quais considerações finais?
Nego da Pesca: Considero de extrema importância a ação do MPP, com apoio do CPP, para difundir, unir e fortalecer o movimento nos 27 estados do Brasil. Com isso, conseguiremos intensificar a mobilização para forçar os governantes a assegurar a nossa permanência nos territórios tradicionais.
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